quinta-feira, 2 de maio de 2013

MULHER DE POUCO PAPO

   Ela não era daquelas que dava muito papo para os outros. Chegava pontualmente às 7:30 em um famoso escritório de advocacia. Começou lá como estagiária, hoje já ocupava a função de advogada sênior e, há algum tempo, desejava virar sócia, competência para isso tinha, lhe faltava apenas a oportunidade.
   Naquele dia foi surpreendida com uma solicitação atípica de um dos sócios do escritório. Precisava que ela levasse um cliente para conhecer a noite carioca.
   -Eu mesmo gostaria de fazer isso, mas hoje tenho um compromisso de família importante, as bodas de meus pais. É um contrato essencial para o escritório. Como ele vem de outro estado, manifestou esse desejo.
   Ela não misturava trabalho com lazer ou prazer. Alguns questionavam diante da postura frígida, se alguma vez na vida, ela chegou até um...Mas aquela talvez fosse a oportunidade esperada, então como boa advogada, argumentou, defendeu seus pontos e apresentou suas considerações. Aceitou a ação com a condição que o contrato fechado fosse seu passaporte para a tal função esperada. A sentença seria dada após o parecer dos outros sócios, mas foi lhe garantido que todos os pontos seriam analisados sem risco de nenhuma impugnação. Acordo estabelecido ficou apenas o detalhe final, onde levaria o cliente.
   - A Lapa! Escolha o melhor boteco e tenha uma boa conversa. É isso que ele deseja...Botecar na Lapa!
   Não esperava ouvir tal sugestão, porém acatou. Às 19:30, passava no hotel para buscar o cliente. No caminho, ele lhe fazia várias perguntas sobre o Rio de Janeiro e seus lugares típicos, principalmente, os lugares boêmios. Ela pouco tinha a dizer sobre eles, pois pela primeira vez estava indo em um, se  manteve simpática e usou o poder de seu "latim" para disfarçar sua inexperiência.
   Chegaram na Lapa, ainda cedo, escolheram um boteco, sentaram em uma mesa e antes que ela dissesse que não bebia, ele foi logo pedindo um chope e um petisco. Ele estava tão empolgado, que não percebia o desconforto que ela estava sentindo. Ela apenas sorria, respondia quando solicitada e ensaiava sempre um discurso para introduzir o assunto que mais dominava, trabalho!
   - Para que falarmos disso agora -cortava ele- vamos beber e nos divertir ...
   Se é que isso fazia algum sentido para ela, porém imaginando-se em uma das cadeiras majoritárias daquele escritório, manteve a simpatia e os brindes. Aos poucos os sorrisos forçados surgiram naturalmente, começava a sentir uma leveza em seu corpo. Sua boca começou a saborear os petiscos que lhe eram servidos e os chopes passaram a comandar o sentido daquele papo. Não demorou muito para as gargalhadas também aparecerem. O cliente era um homem de muitas histórias, uma boa companhia, pelo menos naquele momento e atmosfera. Quando a roda de samba começou a tocar, seu corpo  desejou corresponder ao ritmo que chegava aos seus ouvidos. Soltou os cabelos, abriu mais os botões da blusa alegando calor e quando percebeu, estava em pé sambando e cantando músicas que nem imaginava cantar ou dançar. O cliente a acompanhava, mas naquela altura...quem é o cliente? Estava completamente envolvida naquele ambiente de boteco...
   Acordou como de costume às cinco horas. A boca amargava, a cabeça doía, mas nada era pior do que a ausência de alguns fatos ocorridos na noite anterior. Lembrava do bar, do cliente falando, do chope, e mais outro, e mais outro e ... Já imaginava entrar com recursos para sua defesa. Se fosse o caso iria até a última instância para reaver seus direitos. 
   Chegou ao escritório, pontualmente, às sete e meia. Caminhou até sua sala comedidamente, sentou-se e tentou se concentrar nos processos e ações que tinha a sua frente. Hora ou outra um argumento lhe vinha a mente no caso de interrogatórios. As horas custaram a passar, não saiu para o almoço, não atendeu nenhuma ligação, estava sob judice e temia o veredito.
   Às quatro horas, foi avisada que um dos sócios queria falar-lhe. Levantou-se com uma postura rígida,  estava tensa, mas não gostaria de passar sua fraqueza.Caminhou com altivez, respirou fundo e abriu a porta.
   - Silvia, precisamos conversar sobre aquele contrato de ontem?
   - Pois não.
   - E também sobre o nosso acordo...
   Estava já organizando sua defesa, quando o nobre  colega continuou.
   - Você realmente traçou um belíssimo caminho aqui no escritório e, devo admitir que todos sempre a elogiaram como uma excelente profissional, mas ontem quando lhe solicitei que levasse o nosso cliente para sair não esperava que acontecesse o que aconteceu...
   - Tenho uma explicação..
   - Silvia, não precisa explicar nada. Na verdade, você foi surpreendente e, confesso não esperava que fosse capaz...
   - Mas, acho que tenho o direito...
   Sem ouvi-la , ele continuou.
   -  ...de ser uma companhia tão agradável e perspicaz.
   - Como?
   - Silvia, nosso cliente não só adorou sua companhia, como deseja que você o represente nesse escritório. Ele acredita que se não houver essa empatia entre advogado e cliente, não há confiança. Conversei com os outros sócios e eles também concordam, você já está pronta para assumir uma das nossas cadeiras principais. Bem-vinda, sócia!
   Aquelas palavras soaram como uma vitória no tribunal. Não recorreria aos fatos, uma vez que a causa foi ganha. Sabia que tinha sido íntegra e que a única acusação poderia ser pautada no excesso de teor alcoólico no seu sangue, porém nada disso foi um agravante, ao contrário, contou de forma positiva no processo. Talvez fosse uma injúria dizer que era uma mulher de pouco papo, na verdade, era uma mulher que descobria que um bom papo sempre acontece em um bom boteco.
   

quinta-feira, 25 de abril de 2013

PAPO DE LULUZINHA

   Xavier e Dora eram casados há alguns anos, tempo suficiente para viverem algumas crises conjugais. Na última,  recorreram a uma terapeuta de casais que os aconselhou a deixarem o parceiro ter um momento individual, particular. Xavier, já tinha e continuou indo às "peladinhas" de segunda e sábado com os amigos da empresa que trabalhava e Dora começou a frequentar o Boteco das Luluzinhas que uma amiga de faculdade havia formado. Eram cinco amigas que todas às sextas se encontravam em algum boteco da cidade.
   - Todas as sextas é...? - perguntou um colega de trabalho de Xavier na "peladinha" de segunda.
     - É.
     - E ela vai religiosamente, todas às sextas! Não falta nunca?
     - Ás vezes, quando está "naqueles dias", por exemplo!
     - Ah... "naqueles dias"...
     Xavier estranhou aquele papo e quis logo saber aonde o colega queria chegar.
   - Seguinte, Xavier, abre teu olho! Esse papo de terapeuta tá muito estranho... Daqui a pouco ela vai estar sugerindo casamento aberto. Faz uma coisa, testa tua mulher. Da próxima vez que ela for pra esse boteco ai, tu vai junto, mermão! Abre teu olho!
   Xavier ficou pensando a semana toda nisso, nunca poderia imaginar que a mulher estaria enganando- o. Está certo que estranhou esses encontros em um boteco, mas depois que Dora explicou, ficou mais coerente.
   - É mais prático a gente se encontrar depois do trabalho. Ninguém precisa ir para cozinha de ninguém, sujar a casa de ninguém... A gente bate um papo e depois cada uma vai para sua casa. Se fosse no final de semana você ia reclamar. Sábado, você tem pelada, quem ficaria com as crianças? E domingo é dia santo, dia de ficar com a família. Só podia ser sexta mesmo!
   No entanto, depois da conversa com seu colega, resolveu tirar isso a limpo. Na quinta, ligou para sua irmã e pediu para que ela tomasse conta das crianças e antes de dormir avisou:
   - Amanhã vou com você nesse boteco das Luluzinhas.
   Dora não estava entendendo nada.
    - Como assim? Não posso levar você, é só para as meninas.
   - Como assim ? digo eu , Dora! Por que homem não pode ir? O que você está fazendo lá que eu não posso participar?
   Xavier sempre foi muito ciumento, conhecera Dora ainda no colégio, praticamente vivenciaram todas as experiências da juventude juntos. Quando se formou, a primeira coisa que fez foi pedi-la em casamento. Mais três anos e eram oficialmente marido e mulher. Os filhos vieram logo em seguida, um casal. Dora, diminuiu a carga horária de trabalho no escritório  de engenharia que trabalhava e Xavier aumentou a sua. Com o tempo foram se distanciando, mas Xavier sempre teve muito ciúme de Dora e esse era o principal motivo das brigas do casal. Dora queria retomar sua vida particular, seus desejos e sonhos abafados em nome de um "casamento feliz", mas sabia que quando Xavier estava cego de ciúmes, nenhum argumento adiantava.
   - Falarei com as meninas amanhã de manhã, se elas não se incomodarem, você irá. Caso contrário, continuaremos fazendo o que já tínhamos  combinado. Cada um com suas particularidades!
        No dia seguinte, logo após o almoço, Dora avisou Xavier.
        - Minhas amigas concordaram com sua presença. Será uma única vez e você não poderá opinar sobre nada, apenas escutar ou responder, está certo?
        - Certo.
    No início da noite chegaram ao boteco do encontro. Já estavam sentadas Heleanor, amiga de faculdade  de Dora, Isabel e Ligia. Faltava apenas chegar a Luciana, única solteira do grupo.
   - Até que enfim, Dora! Senta aí. - saudou Heleanor - Senta, também Xavier, seja bem-vindo ao nosso boteco. Você é um homem corajoso de enfrentar cinco leoas! Quantos chopinhos? Dois?
   - Acho que só a Dora vai beber. Eu estou dirigindo,  uma água sem gás, está bom.
   - Água?! Olha que eu também estou dirigindo, mas qualquer coisa ligo para o Claudio, meu marido, afinal é para isso que eles servem, né meninas? Nos salvar do perigo!
   Todas gargalharam, inclusive Dora. Xavier começou a se sentir realmente em perigo, mas não por estar na presença de leoas e sim de cobras!
   - Bem, lá em casa a coisa está bem difícil.- disse Ligia - Acho que nem do perigo meu marido me salva porque o homem é bom de cama...
   - Deita e dorme! - falaram todas ao mesmo tempo e gargalharam novamente.
   Xavier soltava um sorriso amarelo.
   - Gente, vamos aliviar! O pobre do Xavier vai pensar que a gente só se reúne para falar mal dos nossos maridos. Depois ainda vai sobrar pra Dora.
   - Que isso! - disse timidamente Xavier.
   - Meninas, podem ficar tranquilas que avisei pra ele como seria. Não se preocupem comigo que lá em casa a gente se entende!
   - Olha só, Xavier! Cuidado , hein ...! - brincou Heleanor.
   Nesse momento, Luciana chegava  ao boteco toda eufórica.
   - Amigas, desculpe-me o atraso, mas fui ainda em casa buscar uma coisinha para mostrar para vocês.
   - Nãããõoo, você lembrou, Lu?! - perguntou Ligia.
   - Claro! Aqui está.
  E de dentro de sua bolsa tirou um estojo branco de plástico transparente, dentro enrolado em um saco de veludo estava um objeto. Era todo branco,tinha um pequeno formato fálico, mais ou menos do tamanho de um dedo polegar. Na sua ponta tinha uma cobertura prateada e na outra um longo fio com um controle de dois botões que lembravam aqueles de carrinho. Entre gritos, risadas e falas entrecortadas, Xavier resolveu interromper para saber do que se tratava.
   - É um vibrador, Xavier! - esclareceu sua esposa, na maior naturalidade como se fosse íntima do objeto.
   - Xavier, na semana passada, havia dito às meninas que tinha ganhado esse vibrador de um amigo. E falei que traria no nosso próximo encontro para mostrar. É importado, mas sei que algumas lojas já estão vendendo.
   Xavier realmente não entendia absolutamente nada, apenas disse.
   - Ah!
   - E então, você já experimentou? 
   - Já, Ligia, duas vezes!
   Luciana começou a detalhar suas práticas com pequeno e eficiente objeto sexual. Xavier atento, chamou o garçom.
   - Um suco de laranja, por favor!
   Era preciso algo mais forte do que uma simples água, ainda mais, sem gás!                  - Na primeira vez estava no engarrafamento e pensei "Por que não?" e a segunda foi em uma reunião chatérrima!.
   - Re-re-reunião... - engasgou-se Xavier com o suco - Como assim?
   - Fica quieto, Xavier, deixa ela contar - repreendeu Dora.
   - Explica para ele como funciona, Lu.- pediu Heleanor.
   - Xavier, esse vibrador a gente coloca na direção do clitóris e esconde os fios por dentro da roupa e põe o aparelho de controle no bolso, por exemplo. Tem duas velocidades que vibram e estimulam o clitóris e em pouco tempo, uma mulher vai ao céu e volta. Você devia comprar para Dora, hein amiga?
   Dora apenas sorri. Xavier por alguns segundos tem vontade de perguntar se a esposa queria um de presente, mas com medo de uma resposta positiva, preferiu não perguntar nada.
   - Só mais uma pergunta?
   - Diga, Xavier.
   - Na reunião, ninguém percebeu nada?
   - Não. Era uma teleconferência, chatérrima mesmo! A sala de reuniões estava escura e eu sentei-me nas últimas cadeiras. Em uma certa hora levantei-me, fui ao banheiro, arrumei meu "amiguinho" na "caverninha" e ...voilá , fui ser feliz!
   Mais risadas das meninas e sorriso amarelo do pobre Xavier.
   Isabel, também tinha uma revelação a fazer.
   - Meninas, tenho algo para falar. Eu e Miguel estamos nos separando.
   - Nossa, Isabel, que chato! - lamentou Heleanor.
  - As coisas já não estavam dando muito certo e ...enfim, conheci uma pessoa e ...
   - E danadinha ... escondendo o jogo, que é ele , conta tudo!
   - Na verdade,... é ela!
  Ao ouvir esse pronome pessoal feminino, Xavier mais uma vez engasgou-se. Dora, o olhou discretamente e sorriu. Conhecia seu marido e sabia que talvez fosse a última vez que participaria desse clube para mulheres.
   - Garçom, por favor um refrigerante! - pediu Xavier. - 
  - O nome dela é Ana, trabalha comigo e algum tempo já vinha percebendo que nossa amizade estava diferente. Como as coisas em casa estavam muito distantes, fui me aproximando dela e .... acho que tenho que viver essa experiência.
   - Claro, Isabel, o mundo é outro, as pessoas são outras. Você está certíssima! - apoiou Luciana.
   - Já contou para o Miguel? - quis saber Dora.
  - Não, vou ter essa conversa ainda esse final de semana, mas queria saber a opinião de vocês.
   - Apoiada, vai ser feliz , amiga - disse Ligia.
   - Todas apoiam você e sua felicidade , amiga!- confirmou Heleanor.
   Xavier nada dizia, mudo estava, mudo permanecia.
   - Voltando ao aparelho da Luciana, eu só achei pequeno.
   - Mas é pra ser pequeno mesmo, pois fica na região do clitóris, Heleanor.
   -  Ué, mas vocês mulheres não falam que tamanho não é documento?
   - Pera lá, Xavier, tudo vai depender do tamanho da língua .
   E todas gargalhavam. Xavier, mais uma vez chamou o garçom.
   - Por favor, um chope.
   - Chope? Você vai beber?! - perguntou Dora.
  Naquela situação, a única coisa que faria sentido era uma cerveja gelada.
   - Não se preocupa, Dora. Um chopinho não faz mal a ninguém! - aliviou Luciana - Vamos fazer um brinde!
 - "Que os nossos homens nunca morram viúvos, e que nossos filhos tenham pais ricos e mães gostosas!"
   Mais gargalhadas...
 - Por falar em gostosas... Malhei horrores na academia ontem...- disse Luciana - ...também com um personal que tem por lá...
   E assim,  Xavier ia degustando esse universo feminino, que até então desconhecia. Esperava ouvir queixas de maridos, de preço das coisas nos supermercados, trocas de receitas, dicas culinárias, liquidações de marcas famosas... Mas o que ouviu até às três da manhã foi suficiente para entender que as mulheres mudaram e que o que elas falavam só poderia ser compartilhado em uma mesa de botequim, jamais em um chá das cinco.
  Voltaram para casa em silêncio. Antes de dormir, se amaram ardentemente. Dora atribuiu ao copinho de chope, toda a volúpia do marido. Durante a semana nada comentaram também sobre qualquer assunto que tinha sido compartilhado naquela mesa de bar. No joguinho de segunda, Xavier apenas comentou que acompanhou a esposa e que tudo estava resolvido. Quando chegou a sexta-feira, Dora nem ousou falar que iria se encontrar com as amigas, estava preocupada com o silêncio do marido e preferia não provocar uma discussão. Quando Xavier chegou em casa e viu sua mulher com o velho pijama, perguntou:
   - Hoje não tem boteco das Luluzinhas?
   - Tem, mas eu não vou. Não se preocupe.
   - Não vai?! Por quê?
  Dora sentiu que não poderia mais evitar a conversa, porém antes que começasse uma explicação Xavier completou.
   - Você tem todo direto de sair com suas amigas e se divertir. Troque sua roupa e vá logo!
   Dora apesar de não acreditar no que ouvia, sorriu para o marido e foi trocar sua roupa. Estava feliz de saber que finalmente a terapia de casal estava surtindo efeito e ele estava percebendo muitas coisas que antes a sufocavam. Antes de sair disse:
   - Não se preocupe que não demoro.
   -Tudo bem , vá tranquila.
   E quando a esposa estava já na porta, falou:
   - Dora,  quando chegar, me acorde. Estou louco para saber mais sobre esses papos de Luluzinhas...
        


               
            

      

PAPO NATURAL

     Em uma famosa pastelaria da cidade...
     - Está bom aqui?
     - Sim, claro!
    - Garçom, por favor, passa aquele paninho aqui e traz o cardápio.
    Foram duas semanas para convencê-la a sair com ele. Conheceram-se na academia. Ela, corpo perfeito, esculpido nos aparelhos e malhação constante. Cabelos longos, dourados, lisos ou preparados para ser... Suas pernas tinham músculos bem definidos, mas não fazia a linha halterofilista, conservava a feminilidade que ficava ainda mais exposta com as roupas apropriadas para os exercícios. Geralmente vinha com um shortinho bem colado que ressaltavam seus glúteos, dando-lhes um formato de coração pulsando a cada movimento que fazia com os pesos que se tornavam cúmplices daquele trabalho digno da intervenção de Apolo. Ele trabalhava no mercado financeiro e vivia o estresse constante da bolsa. Para relaxar aliou-se ao copo de chope do primeiro boteco que apareceu e ali criou-se um hábito. Quase que religiosamente, antes de voltar para casa, sentava na mesa de um bom botequim e entre copos de cevada, um bom papo era diluído  As vezes, sentava-se sozinho e ali ficava apenas observando o movimento que fluía nas mesas, nas caminhadas de idas e vindas que os garçons davam e o som das conversas , quase em uníssono, como trilha musical de toda essa atmosfera que só os botecos podem ter. Nesse ritmo acelerado, o corpo deu sinal que não aguentava, coração acelerou, pressão subiu e a sentença foi dada, era preciso equilibrar. Providenciou, rapidamente, a matrícula em uma academia, achava que se pagasse por isso teria um bom motivo para não desistir no meio do caminho. Como bom investidor, encarou a situação como um novo projeto onde a ação era a mais valiosa possível, sua vida!
      No início estranhou, pensou em desistir. Sentiu-se deslocado diante de tanta adrenalina que evaporava daqueles corpos. Era praticamente um espetáculo de dança de tão sincronizados e coreografados que estavam, mas justamente quando lhe faltavam forças para continuar foi que ela surgiu em seu caminho e ele encarou isso como um grande incentivo.Estava sentado em um dos aparelhos por longos minutos pensando o que estava fazendo ali, desejando estar em uma mesa de bar com uma deliciosa tulipa de cerveja na frente e seu pensamento foi interrompido com uma voz solicitando usar o aparelho.
        - Posso usá-lo? Já terminou sua série?
        Daquele dia em diante começaram a se falar, primeiro um sorriso, depois acenos, revezamento de aparelhos...Ele aproveitava a experiência dela e pedia conselhos, orientações. Sempre a convidava para conversar mais sobre os exercícios e mudanças de hábitos. Contou-lhe sua experiência "quase-morte" e exagerou na narração sobre os cuidados com sua saúde, tudo para chamar a atenção dela e convencê-la de que era sua salvadora, dizem que as mulheres adoram se sentir assim em relação aos homens... Até que um dia ela aceitou e ele a levou para onde se sentia um verdadeiro rei, o boteco.
       - Aqui tem os melhores pastéis da cidade. Sequinho, crocante e bem recheado, mas também tem outros petiscos.Olha esse aqui a Mineira é uma delicia...
          Ela lia o cardápio e sorria...
         - Olha, aproveita hein? Escolha o que você quiser. Amanhã, na academia, a gente dobra os exercícios. Afinal é para isso que eles servem , né? Para queimar as gordurinhas...
          Ela continuava a ler o cardápio e a sorrir. O garçom se aproximou.
        - Posso anotar os pedidos?
        - Então, o que você vai querer?
        Ela entrega o cardápio para o garçom e com um sorriso nos lábios diz:
        - Uma salada caprese, por favor.
        - Para beber?
        - Suco de abacaxi com hortelã.
        - E para o senhor?
        Ele por um instante pensou se a tinha levado no lugar certo. Ela o olhou e sorriu mais uma vez e , então...
        - O mesmo que ela, por favor.
        Aquele, definitivamente, não seria um papo de botequim!